domingo, 23 de fevereiro de 2014

Respeito aos Direitos Humanos passa a valer dinheiro

A notícia de que a petroleira BP está patrocinando um estudo mundial sobre as dificuldades encontradas por funcionários homo, bi e transsexuais em empresas multinacionais trouxe importante e poderosa luz adicional sobre a questão do respeito aos Direitos Humanos na vida empresarial.

O estudo – terceiro de uma série iniciada em 2011 – será realizado pelo Center for Talent Innovation de Nova York em empresas no Brasil, Nigéria, Índia, Turquia, África do Sul e Rússia e deverá mostrar o efeito da discriminação contra pessoas com tais opções sexuais e indicar como as empresas podem agir para melhor integrá-las.

Divulgada pelo Financial Times e republicada pela Folha de S.Paulo, essa notícia ganha maior impacto devido ao ex-presidente mundial da BP, lorde John Browne, haver anunciado sua condição de homosexual, sete anos atrás, ao deixar a companhia. Em Dezembro último ele afirmou à BBC que, quando trabalhava na BP, havia vivido “duas vidas”, pois o ambiente empresarial sufocava sua natureza.

A importância do respeito aos Direitos Humanos nas empresas ganhou forte impulso mundial em 2011, com a aprovação, pela ONU, dos Princípios de Orientação sobre Empresas e Direitos Humanos. Seu autor, John Ruggie, professor em Harvard e, na época, representante especial do secretário-geral da ONU, passou três anos em consultas com governos, empresas e organizações da sociedade civil, para redigir este primeiro documento-padrão global para prevenir e enfrentar o risco de impactos prejudiciais aos Direitos Humanos na atividade empresarial.
No Brasil, segundo o GVces-Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, ainda não há legislação específica sobre a responsabilidade empresarial em Direitos Humanos. Existe, porém, a ISO 26000, publicada em 2010, a primeira norma internacional de responsabilidade social empresarial, que visa à implantação de políticas de sustentabilidade nas empresas e tem os direitos humanos como tema central.

Além disso, a questão também é destacada pelo ISE-Índice de Sustentabilidade Empresarial, elaborado pelo GVces, base para a análise das empresas listadas na BM&FBovespa sob o prisma da sustentabilidade, que abrange eficiência econômica, equilíbrio ambiental, justiça social e governança. No questionário do ISE, embora sem utilizar a expressão “Direitos Humanos”, há perguntas que precisam ser respondidas pelas empresas sobre erradicação do trabalho infantil e do trabalho forçado ou compulsório; combate à discriminação em todas as suas formas; valorização da diversidade; e prevenção do assédio moral e sexual.

Tanto os Princípios da ONU quanto a ISO 26000 e o questionário do ISE são documentos de poucos anos de vida ainda, mas mostram claramente a forte tendência de que o respeito aos Direitos Humanos passa a ser cada vez mais fundamental não só para o desempenho ético, mas também para o sucesso econômico das empresas.

sábado, 1 de fevereiro de 2014

A cara política de empresas e marcas

Perplexidade é hoje em dia a sensação de quem pensa sobre a imagem institucional das empresas e marcas, se limitá-la apenas ao universo da comunicação. Isso é compreensível porque na verdade, se buscamos uma imagem sustentável, a comunicação deve ser a última das nossas preocupações, pois sua eficácia depende dos valores e atitudes públicas dessas empresas e marcas, que vêm muito antes da comunicação.

Venho dizendo e escrevendo há anos – e certamente não sou o único – que os responsáveis pela reputação institucional devem ser primordialmente a cara política das empresas e marcas, em sua interface com a sociedade. A comunicação só pode funcionar se essa cara política refletir valores e atitudes concretas que se coadunem com os desejos da comunidade.

A perplexidade atual decorre da súbita irrupção, nos planejamentos de construção de imagem institucional, de uma coisa chamada povo. Esse fato abala todo raciocínio que se concentra apenas nos formadores e multiplicadores de opinião, apanágio dos manuais clássicos de Relações Públicas, porque subitamente a opinião pública, potencializada pelas redes sociais, começa a assumir as ruas e os espaços públicos, no Brasil e em outros países, inclusive os Estados Unidos.

Laura Greenhalgh, em belo artigo sobre os rolezinhos hoje no Estadão, foi buscar na Rebelião das Massas de Ortega y Gasset, publicado em 1926, um texto em que o filósofo espanhol, referindo-se ao quadro europeu da época – mas que poderia valer para hoje – dizia: “A multidão, de repente, tornou-se visível e instalou-se nos lugares preferentes da sociedade. Antes, se existia, passava inadvertida. Ou ocupava o fundo do cenário social. Agora se adiantou até as gambiarras. Ela é o personagem principal. Já não há protagonistas, só há coro”.

Transpondo a questão para o universo da imagem institucional de empresas e marcas – e também dos políticos, obviamente – encontrei também na mesma obra de Gasset as seguintes linhas:
Hoje assistimos ao triunfo de uma hiperdemocracia em que a massa atua diretamente sem lei, por meio de pressões materiais, impondo suas aspirações e seus gostos. É falso interpretar as situações novas como se a massa se houvesse cansado da política e encarregasse a pessoas especiais o seu exercício. Pelo contrário. Isso era o que antes acontecia, isso era a democracia liberal. A massa presumia que, no final de contas, com todos os seus defeitos e vícios, as minorias dos políticos entendiam um pouco mais dos problemas públicos que ela. Agora, por sua vez, a massa crê que tem direito a impor e dar vigor de lei aos seus tópicos de café”.


O que essas constatações ensinam a quem trabalha com imagem institucional, parece, é que as empresas e marcas que desejem conquistar os cérebros e corações de seus consumidores e demais stakeholders, de forma sustentável, necessitam mais que sempre ir além dos tradicionais formadores e multiplicadores de opinião, formulando e desfraldando uma bandeira de valores e atitudes que efetivamente satisfaçam aos anseios da sociedade.