A pesquisa mostrava que, no ano anterior, o apoio da população brasileira à democracia diminuíra de 54% para 45%. Caíra mais que a média de apoio na América Latina.
Ou seja, menos de metade da nossa população prefere a democracia a qualquer outra forma de governo. A maioria acha que um governo autoritário pode ser preferível a um democrático, ou que dá na mesma viver em democracia ou sob autoritarismo.
Vivo hoje, à vista desse fato, Nelson Rodrigues diria que,
além da unanimidade ser burra, a maioria dos brasileiros é estúpida. Parece incrível que, numa
nação que por 21 anos foi vítima da opressão de uma ditadura, mais de metade da população
pense que um governo totalitário pode ser melhor que a democracia, ou que tanto
faz.
Os estúpidos que dispensaram a democracia nessa pesquisa do
Latinobarometro não sabem que, sem democracia:
- A imprensa amordaçada não poderia denunciar corrupção nos governos, nem opinar livremente sobre todos os assuntos;
- Um presidente da República rejeitado pela população não teria sido castigado pelo impeachment;
- Um presidente que terminou oito anos de mandato com apoio de 86% da população, também segundo o Latinobarometro, sequer poderia ter sido eleito;
- O fim do sigilo eterno de documentos do governo e a criação das Comissões da Verdade que hoje atuam nem projetos teriam sido;
- O Brasil não viveria o atual desenvolvimento social e econômico, nem gozaria do respeito que hoje lhe dedicam os outros países;
- Nenhuma crítica ao governo – por jornalistas, por sindicalistas, por estudantes, por políticos, ou por quem quer que fosse - seria permitida;
- A corrupção, a incompetência e o desmando de governantes, parlamentares e funcionários públicos estariam permanentemente acobertados pela intransparência do poder totalitário;
- Estaríamos todos continuamente sob a ameaça arbitrária de prisão, tortura e morte;
- Teríamos de tomar cuidado com o que disséssemos perto de colegas de escola e de trabalho, vizinhos, conhecidos, até parentes, pois qualquer um poderia nos delatar, em troca de alguma vantagem junto aos donos do poder;
- Ainda existiria um DOPS, com o inacreditável nome de Departamento de Ordem Política e Social, onde se prendiam pessoas pelo crime de pensamento e opinião;
- Não poderíamos votar porque os mandantes nos seriam impostos, nem a opinião pública poderia se manifestar.
Com a provável exceção dos estúpidos 55% da população
brasileira que acham que democracia não é indispensável, todos conhecem a frase
de Sir Winston Churchill: ”A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras
que têm sido tentadas de tempos em tempos." E a de Ulysses Guimarães, que
disse que "A grande
força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não
acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e
oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes."
Só na democracia
é possível criticar até mesmo a própria democracia – e, de Saramago e Bernard
Shaw até ao Marquês de Maricá, há
comentários derrogatórios a ela em suficiente quantidade. Mas eu fico com Goethe: "A democracia
não corre, mas chega segura ao objetivo."