quarta-feira, 10 de abril de 2013

É a democracia, estúpidos!

Em 29 de Outubro de 2011 a Folha de S.Paulo publicou os alarmantes resultados de uma pesquisa da chilena Latinobarometro sobre a qual escrevi, à época, um artigo para a revista Entrelagos, de Brasilia. Volto a esse texto hoje, no ano em que a nossa jovem democracia comemora 25 anos da promulgação da Constituição de 1988.

A pesquisa mostrava que, no ano anterior, o apoio da população brasileira à democracia diminuíra de 54% para 45%. Caíra mais que a média de apoio na América Latina. 

Ou seja, menos de metade da nossa população prefere a democracia a qualquer outra forma de governo. A maioria acha que um governo autoritário pode ser preferível a um democrático, ou que dá na mesma  viver em democracia ou sob autoritarismo.

Vivo hoje, à vista desse fato, Nelson Rodrigues diria que, além da unanimidade ser burra, a maioria dos brasileiros é estúpida. Parece incrível que, numa nação que por 21 anos foi vítima da opressão de uma ditadura, mais de metade da população pense que um governo totalitário pode ser melhor que a democracia, ou que tanto faz.

Os estúpidos que dispensaram a democracia nessa pesquisa do Latinobarometro não sabem que, sem democracia:
  •        A imprensa amordaçada não poderia denunciar corrupção nos governos, nem opinar livremente sobre todos os assuntos;

  •        Um presidente da República rejeitado pela população não teria sido castigado pelo impeachment;

  •        Um presidente que terminou oito anos de mandato com apoio de 86% da população, também segundo o Latinobarometro, sequer poderia ter sido eleito;

  •        O fim do sigilo eterno de documentos do governo e a criação das Comissões da Verdade que hoje atuam nem projetos teriam sido;

  •        O Brasil  não viveria o atual desenvolvimento social e econômico, nem gozaria do respeito que hoje lhe dedicam os outros países;

  •        Nenhuma crítica ao governo – por jornalistas, por sindicalistas, por estudantes, por políticos, ou por quem quer que fosse - seria permitida;

  •        A corrupção, a incompetência e o desmando de governantes, parlamentares e funcionários públicos estariam permanentemente acobertados pela intransparência do poder totalitário;

  •        Estaríamos todos continuamente sob a ameaça arbitrária de prisão, tortura e morte;

  •        Teríamos de tomar cuidado com o que disséssemos perto de colegas de escola e de trabalho, vizinhos, conhecidos, até parentes, pois qualquer um poderia nos delatar, em troca de alguma vantagem junto aos donos do poder;

  •         Ainda existiria um DOPS, com o inacreditável nome de Departamento de Ordem Política e Social, onde se prendiam pessoas pelo crime de pensamento e opinião;

  •        Não poderíamos votar porque os mandantes nos seriam impostos, nem a opinião pública poderia se manifestar.

Com a provável exceção dos estúpidos 55% da população brasileira que acham que democracia não é indispensável, todos conhecem a frase de Sir Winston Churchill: ”A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que têm sido tentadas de tempos em tempos." E a de Ulysses Guimarães, que disse que "A grande força da democracia é confessar-se falível de imperfeição e impureza, o que não acontece com os sistemas totalitários, que se autopromovem em perfeitos e oniscientes para que sejam irresponsáveis e onipotentes."

Só na democracia é possível criticar até mesmo a própria democracia – e, de Saramago e Bernard Shaw até ao Marquês de Maricá,  há comentários derrogatórios a ela em suficiente quantidade.  Mas eu fico com Goethe: "A democracia não corre, mas chega segura ao objetivo."