O público
nunca ficou sabendo, mas alguns anos atrás uma importante indústria de produtos
alimentícios aqui no Brasil foi vítima de um chantagista que enviou a seu
diretor de marketing um dos mais populares produtos da empresa, com a embalagem
aparentemente inviolada, mas com seu conteúdo envenenado. Seguiu-se o
telefonema, de origem não-localizável, em que um homem exigia da empresa vários
milhões de reais, caso contrário colocaria idênticos artigos envenenados em
diversos supermercados.
Começou
aí um período de 30 dias frenéticos para o comitê de administração de crise
instalado pela empresa. Criou-se um verdadeiro War Room, um salão dotado de
telefones com viva-voz, gravadores, computadores, impressoras etc. A polícia
foi acionada. Contratou-se um serviço internacional de segurança. Advogados
prepararam o trabalho jurídico. O setor de comunicação redigiu comunicados e
séries de perguntas e respostas, exprimindo as posições da empresa, para o caso
de vazamento interno ou externo.
O comitê
determinou que o negociador seria o diretor de marketing, que recebera a
primeira ameaça. Durante quatro semanas ele teve longas conversas telefônicas
diárias com o chantagista, reduzindo o valor exigido, ganhando tempo e
procurando convencê-lo a não colocar o veneno nas gôndolas.
Ao final,
o criminoso não recebeu o dinheiro e acabou preso. Na empresa, só quem
precisava saber teve conhecimento do episódio. O fato não chegou à imprensa,
nem aos consumidores. E, acima de tudo, ninguém morreu. Mas, durante aqueles 30
dias, os membros do comitê dormiam e acordavam diariamente aterrorizados com a
possibilidade de algum consumidor ser envenenado por seu produto.
Por mais
sofisticada que seja uma empresa e por mais aptos que seus executivos julguem
estar para administrar crises como essa, é surpreendentemente frequente que uma
simples sessão de treinamento prático, de um dia de duração, mostre o quão
despreparada a empresa realmente está, para enfrentar com êxito esse difícil
tipo de situação.
Num workshop como esse que conduzi para uma grande companhia, essa
preocupante realidade ficou patente mais uma vez, levando seu presidente a
afirmar, ao final, que infelizmente o principal e mais valioso resultado do
trabalho fora a demonstração prática e realística de que, apesar de todas as
políticas, normas e procedimentos internacionais de que a empresa dispõe para a
administração de situações críticas, seus executivos na verdade se encontravam
totalmente despreparados para gerir uma crise verdadeira.
Exemplos de crises institucionais que ficaram famosas ao longo dos anos:
o caso de Tylenol envenenado, nos Estados Unidos; as Balas Van Melle, no Brasil, acusadas de conter
drogas; a contaminação da Coca Cola,
na Europa; o envenenamento de um produto
Nestlé, no Brasil, por um chantagista (não se trata do caso mencionado na
abertura deste artigo, o qual jamais se tornou público); o derrame de petróleo
do navio Exxon Valdez, no Alaska; a poluição da Guanabara pela Petrobras e, em mar alto, pela Chevron; os
gases letais exalados pela Union Carbide e que vitimaram a população de Bhopal,
na Índia; a alegação de contaminação de botulismo contra o palmito Gini; a
queda do avião da TAM em Congonhas; e a farinha detectada nos comprimidos
de Microvlar, no Brasil.
Essas
situações podem ter uma variedade de origens, entre as quais: ação criminosa; desastre industrial ou natural;
falha de equipamento ou humana; questão jurídica ou de legislação; problema de
RH, trabalhista ou ocupacional; episódio ambiental ou de saúde; disputa
política; violação ou sabotagem de produtos; desastre aéreo; violência no local
de trabalho; ameaça ou efetiva ocupação de instalações; sequestro; incidente
eletrônico (hackers, vírus criminosos) e outras.
E a
metodologia globalmente aceita para uma empresa encarar e ultrapassar uma crise
institucional baseia-se em algumas recomendações básicas, como as seguintes:
1.
A empresa deve dispor de uma norma escrita de
administração de crises: um documento
formal, preferivelmente preparado com a
participação dos vários setores da empresa, para
assegurar o amplo envolvimento
de todos;
2.
Essa norma deve conter as
regras do processo de administração de crises, indicando também a constituição
de comitês de crise no nível corporativo e em cada uma das instalações locais
(nomes das pessoas, seus telefones profissionais, residenciais e celulares,
endereços residenciais e demais indicações para sua rápida localização a
qualquer momento);
organizacional e
emocionalmente) para administrar crises, o que requer treinamento prático
periódico – da mesma forma como se faz costumeiramente nas empresas para que
todos saibam
escapar de um incêndio sem tumulto;
4.
Avaliação dos resultados
dos treinamentos e do desempenho dos participantes e, se necessário,
atualização da norma – o que, em si, também constitui um reforço para a
internalização da norma pelos executivos;
5.
Envolvimento de todas as
áreas nos treinamentos, porque uma crise pode abranger varias delas
simultaneamente.
Essas regras podem ser
continuamente aprimoradas e sofisticadas. Há mesmo livros de autores
estrangeiros que trazem, anexo, um disco com caminho crítico e fluxograma do
processo de administração de crises institucionais.
Porém todos esses conceitos e
sistemas, pacificamente aceitos, muitas vezes naufragam porque as ações de
administração de crise são necessariamente planejadas e executadas não por
computadores ou robôs e sim por pessoas. Com todas as emoções, preocupações,
temores, ímpetos e tensões que as caracterizam. São executivos empresariais
cujo forte é a produção, as finanças, o marketing, ou o direito – não
necessariamente a administração de crises, sob intensa pressão psicológica e
física – e que, além de gerir a estratégia e executar as ações emergenciais que
essa gestão demanda, precisam, ao mesmo tempo, continuar a tocar seu trabalho
rotineiro. Muito poucos estão preparados ou sequer têm perfil para isso.
Ao encarar uma crise “real” de
uma semana de duração, em um workshop de um dia – única maneira de viabilizar
um treinamento como esse, pois não se consegue mais que um dia na agenda de
altos executivos – é possível demonstrar, na prática, o grau de preparo ou
despreparo do presidente, diretores e gerentes de uma empresa. Esse é o
primeiro passo – e o mais importante, porque constitui experiência prática, não
a superficial leitura de um manual ou a passiva audiência a uma palestra – para
que os executivos de uma empresa possam avaliar por experiência própria, não só
pela razão, mas também pela emoção, sua efetiva capacitação, podendo então
começar a construir uma estrutura organizacional psicológica e
profissionalmente equipada para adminstrar com êxito as crises institucionais.
1.
Perplexidade com a imprensa. Mesmo companhias
organizacionalmente equipadas para o relacionamento rotineiro com os
jornalistas se vêem muitas vezes atarantadas em face do telefonema de um
repórter que surpreende a empresa com uma colocação questionadora ou a
inesperada revelação de um fato ameaçador;
2.
Cabeça quente. Ceder à emoção e ao envolvimento pessoal é outro
aspecto que frequentemente se registra entre os executivos que se defrontam com
uma crise institucional. Administrar com o fígado é o pior caminho, prejudica o
julgamento na tomada de decisões e dificulta a estruturação organizacional do
comitê de crise, emperrando a execução das ações necessárias;
3.
Esquecer a Norma. Também se percebe que pontos importantes das
políticas e procedimentos de Crisis Management são frequentemente esquecidos
pelos executivos, no calor da refrega. As consequências podem ser as mais
diversas, mas todas acabam sendo prejudiciais à empresa. A causa desse problema
provavelmente é o fato de que os executivos lêem as normas de forma passiva,
não crítica, não refletindo sobre seu conteúdo, portanto não as sentem, não as
internalizam, como deveriam, para poder vivenciá-las;
4. Desorganização. Outro ponto que muitas vezes se observa nesses
workshops é que, acuados pela crise que eclodiu e tendo
cedido à emoção (vizinha próxima do pânico), os executivos por vezes esquecem
até mesmo de, logo no primeiro momento, organizar-se, atribuir funções e, em
geral, determinar quem faz o que. A impressão de quem observa de fora é de um
bando atabalhoado, não um comitê de crise.
5. Falhas de cobertura. Não dar a devida atenção aos diversos stakeholders, públicos
importantes para a empresa, também é uma falha que ocorre com frequência nesses
treinamentos. Isso acontece principalmente porque os executivos acabam tão
preocupados com os jornalistas, que esquecem os demais públicos. Por isso eu
costumo dizer que, nas empresas, uma situação só passa a ser chamada de “crise”
quando sai ou pode vir a sair no jornal. Caso contrário é apenas um “problema”.
6. Insensibilidade política. Acostumados à vida empresarial,
os executivos muitas vezes não têm a necessária sensibilidade política exigida
para administrar uma crise institucional. Não estão habituados a cultivar essa
arte, que, no fundo, é a principal ferramenta e característica de uma crise
institucional. Os políticos lêem nas
entrelinhas, têm jogo de cintura, são atentos aos detalhes, não perdem de vista
sua meta e sabem jogar xadrez. Antes de mover uma peça, avaliam rapidamente
todas as consequências e as futuras jogadas possíveis – suas e do adversário.
7.
Comunicação falha. Por mais experientes que sejam em seu trabalho no
dia-a-dia, muitas vezes os executivos – mesmo os profissionais de comunicação –
acabam por sucumbir à pressão e à emoção e passam a violar regras básicas de
Media Training, reagindo a um rumor sem investigar se ele tem base de
realidade, respondendo a situações hipotéticas ou especulativas colocadas por
jornalistas, usando excesso de palavras para responder a perguntas simples,
perdendo a paciência com a imprensa etc.
8.
Presumir culpa. Em face da alegação de que a empresa teve algum
comportamento irregular, é bastante frequente que os executivos responsáveis
pela administração da crise presumam que essa afirmação é correta, sem dar a
devida prioridade à investigação da realidade. Ou seja, sua primeira inclinação
é presumir que a empresa está errada. Um executivo que não conhece em
profundidade e amplitude a empresa em que trabalha desconhece suas
vulnerabilidades e aspectos positivos. Por isso, na hora de enfrentar uma
alegação ou situação crítica, por vezes é incapaz de reagir com a necessária
rapidez para evitar ou extinguir uma crise.
9.
Falta de registro. Uma das regras básicas do funcionamento de um
comitê de crise é o relato escrito (um diário) de todas as ações realizadas,
para permitir posterior avaliação e aprimoramento do processo. Essa é mais uma
falha que se observa com frequência nos treinamentos práticos. Espicaçados
pelas dificuldades, os membros do comitê muitas vezes esquecem de indicar um
“relator” para essa importante função.
10.
Ficar a reboque da crise. Envolvidos pela emoção,
insuficiente informados, atabalhoados pela desorganização, os integrantes do
comitê de crise lembram por vezes o ambiente de uma campanha eleitoral de
centro acadêmico – e o resultado é que, por isso, não conseguem passar à frente
do processo, como deveriam. Em vez disso, vêem-se arrastados pela crise.
Há quem diga que, depois dos 40
anos, ninguém é capaz de mudar sua personalidade e seu comportamento. Em outras
palavras, como dizem os americanos, não se conseguem ensinar novos truques a um cachorro velho. Por isso
treinamentos desse tipo de nada adiantariam.
No entanto os workshops para
treinamento prático em Crisis Management podem efetivamente ajudar a preparar
melhor os executivos empresariais a administrar de forma eficaz as crises
institucionais.
Isso principalmente porque esses
workshops os sensibilizam para a gravidade das crises e para a real necessidade
de saberem enfrentá-las com cabeça e atitude de estrategistas de estado-maior,
não cedendo à adrenalina.
Depois de sensibilizados,
torna-se muito mais fácil e eficaz internalizarem a norma e os comportamentos,
adquirindo condição de administrar organizadamente uma crise, unindo e
exercendo os valores do management racional às técnicas da comunicação, sob a
ótica da arte política.